Sem limites

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Fosse a vida um grande palco, o personagem dessa história teria argumentos para apresentar uma das mais belas histórias. Enredo que se passa nas mais incríveis casas de espetáculos do planeta, daquelas em que o traje de gala é item obrigatório, ou em comunidades humildes, onde a sutileza dos acordes clássicos suaviza a realidade dura, nua e crua de um cotidiano quase sempre inóspito.

Apresenta cenas vibrantes, nas quais o protagonista, tomado pela emoção da música, parece se transfigurar. Seu nome é João Carlos Martins, pianista, maestro, descobridor de talentos, brasileiro e cidadão do mundo. Martins é, desde muito cedo, um encantador de gente. Já colocou seu virtuosismo à prova em mais de 6.000 apresentações, percorreu cerca de 80 países, conquistou prêmios, admiração e reconhecimento.

Hoje, próximo de completar 81 anos (faz aniversário dia 25 de junho), se lança em um novo projeto, uma campanha mundial para combate da distonia focal, doença que tentou tirá-lo do palco, mas que ele aprendeu a enfrentar.

A campanha teve início em 22 de abril, durante a abertura da Conferência Internacional de Música, em Praga, na República Tcheca, e vai terminar em 19 de novembro de 2022, no Carnegie Hall, em Nova York (Estados Unidos), data em que fará concerto alusivo aos 60 anos da primeira vez que tocou no tradicional espaço.

“Após a apresentação haverá uma coletiva de imprensa com cientistas e músicos para tratar do assunto”, afirma o maestro. “O homem consegue tirar uma foto de uma pedra em Marte, já foi à Lua e não consegue resolver o problema da distonia, que está no cérebro”, compara o músico, ressaltando que pretende usar a sua experiência para contribuir com a ciência.

A distonia focal, uma doença que afeta os músculos em uma parte específica do corpo – no caso de Martins, nas mãos –, foi ‘apresentada’ a ele nos anos 1960, quando tinha apenas 20 anos e já era um artista de sucesso. “Naquela época achavam que era um problema psicológico ou LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Só na década de 1980 foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde”, acentua. Com dificuldades para executar o que ditavam as partituras, Martins aprendeu como driblar a distonia.

“Antes de cada concerto eu dormia de cinco a seis horas no camarim, para entrar (no palco) como se fosse 7h da manhã. Porque nas primeiras duas horas (após acordar) a distonia não aparecia totalmente na mão”, conta o músico, que viria a ter outros problemas sérios, perdeu o movimento dos dedos e, em determinado momento da carreira, utilizou apenas os dois polegares para tocar. Época em que trocou as teclas pela batuta e tornou-se um regente.

“Me considero um sobrevivente, porque sempre fui conduzido pela esperança”, relata Martins, que em 2020, após 22 anos, conseguiu voltar a tocar piano com os dez dedos. Isso graças à luva ‘biônica’ criada pelo designer Ubiratan Bizarro Costa, que não se conformou quando viu, um ano antes, reportagem que tratava da despedida de Martins do piano após a realização de mais uma cirurgia nas mãos – ele passou por 24 ao longo da vida. Após alguns ajustes o objeto funcionou e virou notícia no mundo todo. Mas o maestro quer mais e já ensaia tocar sem elas.

GARIMPANDO DIAMANTES

Com o mesmo entusiasmo com que sempre executou as composições – principalmente as de Bach – ao piano, ou agitou a batuta para reger uma orquestra, Martins se empenha em espalhar a música pelo País por meio dos projetos sociais de que está à frente.

“Minha maior vitória é o número de talentos que tenho descoberto por este Brasil afora. Talentos que em um futuro próximo vão dignificar o nome do nosso País. Sou um caçador de diamantes. É muito difícil encontrar um diamante, mas quando isso acontece, minha missão é tentar lapidar”, conta o músico, que, por meio do seu projeto Orquestrando, já formou mais de 500 orquestras e entregou cerca de 800 diplomas a maestros em várias cidades.

Pela internet são ministradas videoaulas que abordam as quatro famílias de instrumentos de uma orquestra (cordas, madeira, sopro e percussão). “(Heitor) Villa Lobos dizia: ‘Não é um público inculto que vai julgar as artes, são as artes que mostram a cultura de um povo’. Estou cumprindo a missão do Villa Lobos. Quem sou eu perto dele, mas estou tentando realizar seu sonho. Porque naquela época ele não tinha televisão nem internet.”

DOIS OVOS FRITOS

Embalado pela música, Martins segue desafiando o tempo e se reinventando. Ele será tema de exposição no Centro Cultural Fiesp (Federação das Indústrias do Estadode São Paulo), que será aberta no dia 15 de junho e que ficará em cartaz até 26 de setembro.

“Acordo de manhã e a primeira coisa que faço é abrir o jornal, para conferir se meu nome está no orbituário. Se não está, peço dois ovos fritos e vou para a luta”, diz, com a simplicidade que sós os gênios possuem. “A minha música venceu e salvou a minha vida. Se não fosse por ela, talvez eu não estivesse preparado psicologicamente para enfrentar todas as adversidades”, ensina.

Fonte: Revista Dia-a-Dia – Diário do Grande ABC

Texto: Nilton Valentim

Fotos: André Henriques

 

 

 

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