João Carlos Martins celebra volta ao Carnegie Hall 60 anos após sua estreia

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Após 60 anos da primeira apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, o maestro paulistano João Carlos Martins recebeu um convite que tem feito com que ele treine piano duas horas diariamente. No próximo dia 19, irá retornar aos palcos da icônica casa de shows para celebrar sua estreia como músico no local.

Diferentemente do concerto de 1962, a apresentação deste ano não contará apenas com interpretações do compositor alemão Johann Sebastian Bach, mas também mostrará ao público como a paixão pela música fez o maestro se reinventar e driblar os sintomas de uma distonia focal, doença rara que afeta os movimentos das mãos desde os seus 18 anos.

Em 19 de novembro, João Carlos Martins vai reger a Novus NY, orquestra de música contemporânea da Trinity Wall Street. Ao final, vai tocar piano no centro do palco. Quem prestigiar o brasileiro vai poder contemplar interpretações de músicas de Heitor Villa-Lobos e André Mehmari.

Em seu apartamento, na capital paulista, João Carlos Martins recebeu a reportagem do g1 dias antes de embarcar aos Estados Unidos. Com suas luvas biônicas, criadas por um designer industrial para que ele pudesse voltar a tocar piano com todos os dedos, o maestro relembrou como foi a estreia no Carnegie Hall, contou como se tornar maestro o ajudou a ver a música de outra forma e enfatizou a meta que sempre tem para quando se apresenta.

“Eu digo que, quando entro em palco, eu quero que o público saia com uma lágrima no olho e sorriso nos lábios. Porque minha meta é sempre transmitir emoção e transmitir perfeccionismo”, afirmou João Carlos Martins enquanto dedilhava notas em um piano que fica no fundo de sua sala de estar.

A grande coincidência

Era março de 1962. O jovem pianista João Carlos Martins estreou no Carnegie Hall com apenas 21 anos. O local, reconhecido por ser uma das casas de shows mais famosas do mundo, já recebeu renomados artistas como Billie Holiday, Beatles, Rolling Stones, Frank Sinatra e Bob Dylan.

Na época, João Carlos estava no início de sua carreira internacional e se destacava pela técnica usada principalmente em músicas do compositor Bach. Para ele, essa estreia foi uma grande coincidência do destino.

“A Eleanor Roosevelt [que foi primeira-dama dos Estados Unidos]assistiu um ano antes a um concerto meu em Washington D.C., Estados Unidos. Ela ficou entusiasmada e falou para mim: ‘O ano que vem tenho uma data no Carnegie Hall e quero fazer sua estreia lá’. Eu tinha 20 anos quando ela falou e com 21 anos fiz minha estreia.”

Logo após tocar, a crítica de sua apresentação já podia ser encontrada na edição do jornal “The New York Times”.

“Naquela época, você acabava o concerto 23h30, meia-noite, e você já ia na banca do jornal porque já tinha a crítica do concerto. Então, todos os artistas queriam ver a crítica. Aí eu abri o New York Times e estava escrito que minha técnica enviava fogos de artifício em todas as direções do Carnegie Hall. Uma crítica incrível. E falei: ‘Meu Deus do céu, como a vida é. Você de repente está no lugar certo, na hora certa’. Ou a pessoa certa, como foi no meu caso, ter assistido a meu concerto”, conta o artista.

João Carlos também relembra de um conselho que recebeu de um maestro renomado minutos antes de entrar ao palco.

“O maestro falou para mim antes de entrar em palco: ‘Você não entende muito de música’. Falei: ‘Meu Deus, ouvir isso um minuto antes de entrar…’. Aí ele falou de novo: ‘Eu vou te falar outro segredo. Eu também não entendo muito de música’. Aí mostrou a orquestra e disse: ‘Eles também não entendem muito de música’. Depois, mostrou o Carnegie Hall lotado e disse: ‘Quer saber de uma coisa? Eles entendem muito menos do que nós. Vai lá dar seu recado’. Esta frase eu guardei para o resto da vida. É com esse sentimento que entro em palco sempre.”

Mesmo tendo se apresentado cerca de 40 vezes em Nova York, o concerto do dia 19 de novembro que celebrará sua estreia no palco icônico do Carnegie Hall há 60 anos causa ansiedade.

“Se você perguntar se eu estou nervoso, vou dizer que não. Mas se eu não ficar antes do concerto com aquela adrenalina, tensão, que desaparece quando você entra em palco, é porque não sou mais artista. Artista tem que ter essa tensão. Se eu reger 15 vezes ou 20 vezes, eu vou ter a mesma emoção 20 vezes.”

Doença rara

“Desde os 18 anos, quando estudava piano, três horas depois começava a ter movimentos involuntários na mão. Comecei a procurar médicos. Os médicos falavam que devia ser psicológico. Eu sabia que não era psicológico”.

Foi poucos anos depois que começou a carreira como pianista que João Carlos Martins descobriu a distonia focal, doença considerada rara, causada por um problema no sistema nervoso central, sem cura e que afeta os movimentos das mãos.

Como músico, a condição o fez pensar em desistir, mas o amor pela música clássica foi maior.

“Aos 29 anos, eu cheguei a entrar numa banheira para me suicidar, mas aí tocou o telefone. Não queria atender. Finalmente eu atendi e era meu professor do Brasil. Várias pessoas com distonia focal se suicidaram, como Emerson Lake and Palmer, um dos maiores pianistas do rock progressivo. Mas eu passei a ser o cara que tem mais amor à vida, porque eu vejo a importância da vida.”

João Carlos Martins percebeu que assim que acordava não tinha sintomas da distonia. Então, passou a dormir antes das apresentações.

“Eu telefonei para o meu empresário e pedi para avisar que, como eu era acostumado com ‘jet lag’ e dormia a hora que queria, qualquer teatro que eu tocasse era para avisar que ia chegar umas 7 horas antes no camarim, era para ter um sofá ou cama, para que eu dormisse até 15 minutos antes do concerto. Eu fazia isso e entrava em palco como se não tivesse nenhum problema físico. Em 1982, finalmente a distonia focal foi considerada uma doença rara pela Organização Mundial da Saúde.”

Depois de a dor se tornar insuportável e ter que cortar a ligação entre o cérebro e a mão direita durante uma cirurgia, João Carlos Martins decidiu que não seria mais pianista. Em 2004, ele fez sua primeira apresentação como maestro.

“Como pianista, eu toquei por 60 anos. Sempre tentando dignificar o nome do nosso país. Mas iniciei uma nova carreira depois de 25 cirurgias. Como maestro, foram mais de 2 mil concertos. Formei minha orquestra. Minha orquestra já foi seis vezes aos EUA em turnê. A mesma energia que eu tinha como pianista, é a mesma energia que a Bachiana Filarmônica Sesi-SP tem”, afirma.

“Foi muito importante o início de vida como maestro porque entendi o que significa responsabilidade social e sustentabilidade. Tenho orgulho de falar que trouxe milhares de crianças para o universo da música clássica e temos parceria com 750 orquestras pelo Brasil, jovens. Todo fim de semana analiso algumas orquestras online, mando os conselhos para os maestros locais.”

Questionado se pensou em ter outra profissão, o artista ressalta que seria infeliz sem a música.

“Se eu não fosse pianista ou maestro, seria de um cara profundamente infeliz. Mas ser pianista e maestro deram oportunidade a muitas outras facetas da minha vida. Por exemplo, o amor ao futebol, o fato de ter ajudado a trazer novamente para o Brasil um título mundial de boxe através do Eder Jofre, o fato de você conseguir correr as periferias deste Brasil para entender o que significa inclusão social através da música. Portanto, tem tantas facetas que aconteceram na minha vida por ser pianista e maestro que estas coisas não teriam acontecido. Infeliz seria se eu não tivesse começado minha carreira de pianista ou de maestro.”

Planos para o futuro

O artista ressalta que costuma seguir a frase de John Kennedy: “Não é o que o país pode fazer por você, é o que você pode fazer pelo país”.

“Então, estou tentando cumprir minha parte. Como ainda tenho só 82 anos, tenho ainda 20 anos para os meus projetos. Hoje, sou uma espécie de sobrevivente porque quando eu estou em qualquer aeroporto, tem pessoas que falam para mim que tiveram problemas muito menores que o meu e quiseram desistir.”

“Se não tiver um pouco de loucura na sua cabeça, você não chega a lugar nenhum. Esse é um lado fora da curva, mas que faz com que eu sempre acredite na trajetória da esperança da minha vida”.

Fonte: G1

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